quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Moysés é nomeado Consultor do Pontifício Conselho para a Nova Evangelização


O Papa nomeou esta manhã como Consultor do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização Moysés Louro de Azevedo Filho, fundador e moderador da Comunidade Católica Shalom, Associação Internacional de Fiéis.
Moysés é um consagrado celibatário que há mais de 25 anos empreendeu a fundação da Comunidade Shalom, hoje presente em mais de cinquenta dioceses no Brasil e no mundo.
Desde 2007 é Consultor do Pontifício Conselho para os Leigos, Dicastério da Santa Sé responsável pelo acompanhamento e o engajamento dos leigos na Igreja.
Em 2005, participou como auditor, a convite de Bento XVI, do Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, e em 2007, da V Conferência Episcopal da América Latina em Aparecida, representando os movimentos eclesiais. Em 2008 foi mais uma vez nomeado pelo Papa Bento XVI para participar do Sínodo da Palavra de Deus, em Roma.

Nascido em 04 de novembro de 1959, em Fortaleza no Ceará Brasil, Moysés Louro de Azevedo Filho cresceu em ambiente católico, e desde a adolescência teve engajamento nos grupos de jovens católicos.

É tempo novo! É Advento!


P. Raniero Cantalamessa, ofmcap.
Primeira pregação do Advento de 2011 à Casa Pontifícia
"Ide ao mundo inteiro"
A primeira ondada de evangelização
Em resposta ao apelo do Sumo Pontífice de um renovado compromisso com a evangelização e em preparação para o Sínodo dos Bispos de 2012 sobre o mesmo assunto, me proponho a identificar, nestas meditações do Advento, quatro ondadas da nova evangelização na história da Igreja, ou seja, quatro momentos nos quais se testemunham uma aceleração ou uma retomada do compromisso missionário. São eles:
1. A expansão do cristianismo nos primeiros três séculos de vida, até a véspera do edito de Constantino, cujos protagonistas, em primeiro lugar, eram os profetas itinerantes e, depois, os bispos;
2. Os séculos VI-IX, em que assistimos à reevangelização da Europa após as invasões bárbaras, especialmente pela obra dos monges;
3. O século XVI com a descoberta e a conversão ao cristianismo dos povos do "novo mundo", especialmente pela obra dos frades;
4. A época atual que vê a Igreja envolvida numa reevangelização do Ocidente secularizado, com a participação determinante dos leigos.
Em cada um desses momentos tentarei destacar o que podemos aprender na Igreja de hoje: quais erros evitar e os exemplos a imitar e quais contribuições específicas que podem dar à evangelização os pastores, os monges, os religiosos de vida ativa e os leigos.
1. A difusão do cristianismo nos primeiros três séculos.
Hoje começamos com uma reflexão sobre a evangelização cristã nos primeiros três séculos. Principalmente um motivo faz deste período um modelo para todos os tempos. É o período no qual o cristianismo encontra o seu caminho exclusivamente por própria força. Não há nenhum "braço secular" que o apoie; as conversões não são determinadas pelas vantagens externas, materiais ou culturais; ser cristão  não é um costume ou uma moda, mas uma escolha contra a corrente, muitas vezes com risco de vida. Em alguns aspectos, a situação se voltou a criar hoje em diferentes partes do mundo.
A fé cristã nasce com uma abertura universal. Jesus tinha dito aos seus apóstolos para irem "ao mundo inteiro " (Mc 16, 15), para "fazerem discípulos a todas as nações" (Mt 28, 19), para serem testemunhas “até os confins da terra” (At 1, 8), para “pregarem a todos os povos a conversão e o perdão dos pecados” (Lc 24, 47).
A aplicação do princípio desta universalidade já acontece na geração apostólica, embora não sem dificuldade e lacerações. No dia de Pentecostes a primeira barreira é superada, a da raça (os três mil convertidos pertenciam a outros povos, mas eram todos crentes do judaísmo); na casa de Cornélio e no assim chamado concílio de Jerusalém, especialmente por impulso de Paulo, a barreira mais difícil de todas foi superada, aquela religiosa que separava os hebreus dos gentios. O evangelho tem, dessa forma, o mundo inteiro diante de si, ainda que por agora esse mundo seja limitado, no conhecimento dos homens, ao Mediterrâneo e às fronteiras do Império Romano.
Mais complexo é seguir a expansão de fato, ou geográfica, do cristianismo nos três primeiros séculos que, porém, é menos necessária para o nosso propósito. O estudo mais abrangente, e até agora insuperável a esse respeito é aquele de Adolph Harnack, "Missão e expansão do cristianismo nos primeiros três séculos".
Um aumento acentuado na atividade missionária da Igreja se realiza sob o imperador Commodo (180-192) e, em seguida, na segunda metade do século III, até às vésperas da grande perseguição de Diocleciano (302). Este, além das ocasionais perseguições locais, foi um período de relativa paz que permitiu à Igreja primitiva consolidar-se internamente e desenvolver um novo tipo de atividade missionária.
Vejamos em que consiste esta novidade. Nos dois primeiros séculos a propagação da fé foi confiada à iniciativa pessoal. Tratava-se dos profetas itinerantes, mencionados na Didaqué, que moviam-se de um lugar para outro; muitas conversões deveram-se a contatos pessoais, favorecidos pelos trabalhos comuns exercitados pelas viagens e pelas relações comerciais, pelo serviço militar e por outras circunstâncias da vida. Orígenes nos dá uma descrição comovente do zelo desses primeiros missionários:
"Os cristãos fazem todo o esforço possível para espalhar a fé por toda a terra. Para esse fim, alguns deles se propõem formalmente como tarefa das suas vidas o peregrinar não somente de cidade em cidade, mas também de município em município e de vilarejo em vilarejo para ganhar novos fiéis para o Senhor. Nem se passe pela cabeça, espero, que eles façam isso por lucro, pois até mesmo, muitas vezes se recusam a aceitar o que é necessário à vida".
Agora, na segunda metade do século III, estas iniciativas pessoais são cada vez mais coordenadas e em parte substituídas pela comunidade local. O bispo, até mesmo por reação aos efeitos de desintegração da heresia gnóstica, conquista a melhor sobre os mestres, como diretor da vida interna da comunidade e centro propulsor da sua atividade missionária. A comunidade é agora o sujeito evangelizador, a tal ponto que um erudito como Harnack, certamente não suspeito de simpatia pela instituição, possa afirmar: "Devemos ter por certo que a mera existência e a atividade constante das comunidades individuais foi o principal fator na propagação do cristianismo".
No final do terceiro século, a fé cristã penetrou praticamente todos os estratos da sociedade, já tem sua própria literatura em lingua grega e uma, embora no início, em lingua latina; possui uma sólida organização interna; começa a construir edifícios sempre mais amplos, sinal do aumento do número de fiéis. A grande perseguição de Diocleciano, além das muitas vítimas, não fez nada mais que destacar o fato de que a força da fé cristã já era irreprimível. A última luta de braço entre o Império e o cristianismo é testemunha disso.
No fundo, Constantino não vai fazer nada mais do que tomar nota dessa nova relação de forças. Não será ele que vai impor o cristianismo para o povo, mas o povo que vai lhe impor o cristianismo. Afirmações como aquelas de Dan Brown no romance "O Código Da Vinci" e de outros propagadores, segundo os quais  foi Constantino, por razões pessoais, a transformar, com o seu edito de tolerância e com o concílio de Nicéia, uma obscura seita religiosa judaica na religião do império, são baseadas numa total ignorância dos fatos que precederam esses eventos.
2. As razões do sucesso
Um tema que sempre apaixonou os historiadores é aquele das razões do triunfo do cristianismo. Uma mensagem nascida em um canto obscuro e desprezado do Império, entre pessoas simples, sem cultura e sem poder, em menos de três séculos, se estende a todo o mundo então conhecido, subjugando a refinadíssima cultura dos gregos e o poder imperial de Roma!
Entre as diversas razões do sucesso, alguns insistem no amor cristão e no exercício ativo da caridade, até torná-lo "o fator mais importante e poderoso para o sucesso da fé cristã", de tal forma que induziria mais tarde o imperador Juliano o Apóstata, a fornecer o paganismo de semelhantes obras de caridade para combater este sucesso.
Harnack, por outro lado, dá uma grande importância ao que ele chama de a natureza "sincretista" da fé cristã, ou seja, da capacidade de conciliar em si as tendências opostas e os diversos valores presentes nas religiões e na cultura do tempo. O cristianismo se apresenta ao mesmo tempo, como a religião do Espírito e do poder, que é acompanhada por sinais sobrenaturais, carismas e milagres, e como a religião da razão e do Logos integral, “a verdadeira filosofia”, nos dizeres de Justino Mártir. Os autores cristãos são "os racionalistas do sobrenatural", diz Harnack citando as palavras do apóstolo Paulo sobre a fé como "tratamento racional" (Romanos 12,1).
Desta forma o cristianismo reúne em si, num perfeito equilíbrio, o que o filósofo Nietzsche define o elemento apolíneo e o elemento dionisíaco da religião grega, o Logos e o Pneuma, a ordem e o entusiasmo, a medida e o excesso. É isto que, pelo menos em parte, entendiam os Padres da Igreja com o tema da "sóbria embriaguez do Espírito".
"A religião cristã – escrevia Harnack no final da sua monumental pesquisa – , desde o início, apareceu com uma universalidade que a permitiu reivindicar para si toda a vida inteiramente, com todas as suas funções, as suas alturas e profundidades, sentimentos, pensamentos e ações. Foi esse espírito de universalidade que lhe garantiu a vitória. Foi isso que a levou a professar que o Jesus proclamado por ela era o Logos divino ... Assim se ilumina com nova luz e aparece quase uma necessidade, até mesmo aquela poderosa atração pela qual chegou a absorver e a submeter a si o helenismo. Tudo o que era de alguma forma capaz de vida entrou como elemento na sua construção ... E essa religião não deveria vencer? "
A impressão que se tem ao ler este resumo é que o sucesso do cristianismo é devido a uma combinação de fatores. Alguns foram tão longe na busca das causas deste sucesso que encontraram vinte motivos a favor da fé e muitos outros que estavam agindo na direção oposta, como se o êxito final dependesse da prevalência do primeiro sobre o segundo.
Agora eu gostaria de destacar o limite inerente a tal abordagem histórica, mesmo quando esta é feita por historiadores que tem fé como aqueles que até agora tenho tido em conta. O limite, devido ao mesmo método histórico, é de dar mais importância ao sujeito do que ao objeto da missão, mais aos evangelizadores e às condições em que ela ocorre, do que ao seu conteúdo.
A razão que me empurra a fazê-lo é que isso é também o limite e o perigo inerente a tantas abordagens atuais e mediáticas, quando se fala de uma nova evangelização. Esquece-se de uma coisa muito simples: que Jesus mesmo tinha dado, antecipadamente, uma explicação da difusão do seu Evangelho e é dessa que devemos começar toda vez que nos propomos um novo esforço missionário.
Escutemos mais uma vez duas breves parábolas evangélicas, aquela da semente que cresce também à noite e aquela da semente de mostarda.
“E dizia: ‘acontece com o Reino de Deus o mesmo que com o homem que lançou a semente na terra: ele dorme e acorda, de noite e de dia, mas a semente germina e cresce, sem que ele saiba como. A terra por si mesma produz fruto: primeiro a erva, depois a espiga e, por fim, a espiga cheia de grãos. Quando o fruto está no ponto, imediatamente se lhe lança a foice, porque a colheita chegou’.”(Mc 4, 26-30).
Esta parábola, por si só, diz-nos que a razão essencial para o sucesso da missão cristã não vem de fora mas de dentro, não é obra do semeador e nem sequer principalmente do solo, mas da semente. A semente não pode ser jogada por si só, no entanto, é automaticamente e por si mesma  que ela cresce. Depois de ter jogado a semente o semeador pode também ir dormir, a vida da semente já não depende dele. Quando esta semente é "a semente jogada na terra e morta", ou seja  Jesus Cristo, nada poderá impedir que essa "dê muitos frutos". Pode-se dar todas as explicações que você quiser desses frutos, mas estas permanecerão sempre na superfície, nunca captarão o essencial.
Quem captou com clareza a prioridade do objeto do anúncio sobre o sujeito é o apóstolo Paulo.
"Eu plantei, Apolo regou, mas é Deus quem fazia crescer”. Estas palavras parecem ser um comentário sobre a parábola de Jesus. Não se trata de três operações com a mesma importância; de fato, o apóstolo acrescenta: " Assim, pois, aquele que planta, nada é: aquele que rega nada é; mas imorta somente Deus, que dá o crescimento”. (1 Cor 3, 6 -7). A mesma distância qualitativa entre o sujeito e o objeto do anúncio está presente em outra palavra do Apóstolo: "Mas nós temos este tesouro em vasos de barro, para que este grande poder seja atribuído a Deus e não a nós" ( 2 Cor 4,7). Tudo isso se traduz nas exclamações programáticas: "Nós não pregamos a nós mesmos, mas o Senhor Jesus Cristo!" e ainda "Nós pregamos Cristo crucificado".
Jesus pronunciou uma segunda parábola com base na imagem da semente que explica o sucesso da missão cristã e que dever ser tida em conta hoje, diante da imensa tarefa de reevangelizar o mundo secularizado.
“E dizia: ‘com que compararemos o Reino de Deus? Ou com que parábola o apresentaremos? É como um grão de mostarda que, quando é semeado na terra – é a menor de todas as sementes da terra – mas, quando é semeado, cresce e torna-se maior que todas as hortaliças, e deita grandes ramos, a tal ponto que as aves do céu se abrigam à sua sombra” (Mc 4, 30-32).
O ensinamento que Cristo nos dá com esta parábola é que o seu Evangelho e a sua mesma pessoa é a menor coisa que existe sobre a terra porque não há nada menor e mais fraco do que uma vida que termina numa morte de cruz. No entanto, esta minúscula "semente de mostarda" está destinada a se tornar uma grande árvore, de modo a acomodar em seus ramos todos os pássaros que vão refugiar-se ali. Isso significa que toda a criação, absolutamente toda irá ali encontrar refúgio.
Que contraste com as reconstruções históricas mencionadas acima! Tudo lá parecia incerto, aleatório, suspenso entre o sucesso e o fracasso; aqui tudo já foi decidido e garantido desde o começo! No final do episódio da unção de Betânia, Jesus pronunciou estas palavras: "Em verdade vos digo que, onde quer que este Evangelho seja anunciado, em todo o mundo, em memória dela se dirá também o que ela fez" (Mateus 26,13 ). A mesma consciência tranquila de que um dia sua mensagem seria anunciada “a todo o mundo”. E certamente não é uma profecia "post eventum", porque naquele momento, tudo pressagiava o oposto.
Até mesmo nisso quem melhor captou "o mistério escondido" foi Paulo. Me impressiona sempre um fato. O Apóstolo pregou no Areópago de Atenas e assistiu a uma rejeição da mensagem, educadamente expressada com a promessa de ouvi-lo em outra ocasião. De Corinto, onde ele foi logo depois, escreveu a Carta aos Romanos, onde afirma ter recebido a tarefa de conduzir "à obediência da fé todas as nações " (Rm 1, 5-6). O insucesso não avariou minimamente a sua confiança na mensagem: "Eu não me envergonho - grita - do evangelho, porque é potência de Deus para a salvação de todo aquele que crê, do judeu, primeiro, como do grego" (Rom 1, 16 ). Apóstolo Paulo, dá-nos um pouco "desta tua fé e desta tua coragem e não nos desanimaremos diante da tarefa sobre-humana que está diante de nós!
"Toda árvore, diz Jesus, é reconhecida pelos seus frutos" (Lc 6, 44). Isto é verdade para toda árvore, exceto para a árvore nascida dele, o cristianismo (e de fato ele está falando aqui dos homens); essa única árvore não é conhecida pelo fruto, mas a partir da semente e da raiz. No cristianismo a plenitude não está no fim, como na dialética hegeliana do devir (“o verdadeiro é o inteiro”), mas está no princípio; nenhum fruto, nem mesmo os maiores santos, acrescentam algo à perfeição do modelo. Neste sentido tem razão quem afirmou que “o cristianismo não é perfectível”.
3. Semear e... ir dormir
Aquilo que os historiados das origens cristãs não registraram ou dão pouca importância é a certeza inabalável que os cristãos da época, pelo menos os melhores deles, tinham sobre a bondade e a vitória final da sua causa. "Vocês podem nos matar, mas não nos podem prejudicar", dizia Justino Mártir ao juiz romano que o condenava à morte. No final foi essa tranquila certeza que lhes garantiu a vitória e convenceu as autoridades políticas da inutilidade dos esforços para suprimir a fé cristã.
É isso o que mais nos acontece hoje: despertar nos cristãos, pelo menos naqueles que pretendem se dedicar ao trabalho da reevangelização, a certeza íntima da verdade do que anunciamos. "A Igreja, Paulo VI disse certa vez, precisa recuperar o desejo, o prazer e a certeza da sua verdade". Devemos acreditar, primeiramente nós, em tudo o que anunciamos; mas acreditar realmente, "com todo o coração, com toda a alma,  com toda a mente". Temos de ser capazes de dizer com Paulo: "Animados pelo mesmo espírito de fé, como está escrito: Eu acreditei, portanto, eu falei, nós também acreditamos e, portanto, falamos" (2 Coríntios 4, 13).
A tarefa prática que as duas parábolas de Jesus nos designam é semear. Semear com mãos cheias, “no momento adequado e inadequado" (2 Tm 4, 2). O semeador da  parábola que sai para semear não se preocupa com o fato de que algumas sementes acabem na rua e entre os espinhos, e pensar que aquele semeador, fora da metáfora, é ele mesmo, Jesus! A razão é que, neste caso, não se pode saber com antecedência qual terreno se revelará bom, ou duro como o asfalto e sufocante como um arbusto. Há no meio a liberdade humana que o homem não pode prever, e Deus não quer violar. Quantas vezes entre as pessoas que ouviram algum sermão ou leram um determinado livro, verifica-se que quem o tomou mais a sério e teve a vida mudada era a pessoa que menos se esperava, alguém que estava ali por acaso, ou até mesmo relutante. Eu mesmo poderia contar dezenas de casos.
Semear então e depois... ir dormir! Ou seja, semear e depois não estar lá o tempo todo olhando, quando brota, onde brota, quantos centímetros está crescendo diariamente. A germinação e o crescimento não é nosso negócio, mas de Deus e do ouvinte. Um grande humorista Inglês do século XIX, Jerome Klapka Jerome, disse que a melhor maneira de fazer demorar a ebulição da água numa panela é aquela de estar de olho nela e esperar com impaciência.
Fazer o contrário é fonte inevitável de ansiedade e de impaciência: coisas que Jesus não gosta e que ele nunca fez quando esteve na terra. No Evangelho, ele nunca parece ter pressa. "Não andem ansiosos pelo amanhã, dizia aos seus discípulos, porque o amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal” (Mateus 6, 34).
Neste sentido, o poeta cristão Charles Péguy põe na boca de Deus palavras que são boas para meditarmos:
"Disseram-me que há homens
Que trabalham bem e dormem mal.
Que não dormem. Que tem falta de confiança em mim.
É quase pior do que
se não trabalhassem mas dormissem, porque a preguiça
Não é pecado maior do que a ansiedade ...
Não falo, diz Deus, daqueles homens
que não trabalham e não dormem.
Esses são pecadores, é claro ...
Falo daqueles que trabalham e não dormem ...
Tenho pena deles. Eles não confiam em mim ...
Governam muito bem seus assuntos durante o dia.
Mas não querem confiar-me o governo durante a noite...
Quem não dorme é infiel à Esperança... ".
As reflexões realizadas nesta meditação nos levam, em conclusão, a colocar na base do esforço para uma nova evangelização um grande ato de fé e de esperança para sacudir de cima qualquer sentimento de impotência e resignação. Temos diante de nós, é verdade, um mundo fechado no secularismo, inebriado pelos sucessos da técnica e das possibilidades oferecidas pela ciência, refratário ao anúncio do Evangelho. Mas era talvez menos confiante em si e menos refratário ao evangelho o mundo no qual viviam os primeiros cristãos, os gregos com a sua sabedoria e o Império Romano com o seu poder?
Se houver algo que possamos fazer, depois de ter "semeado", é "irrigar", com a oração, a semente lançada. Por isso terminemos com a oração que a liturgia nos faz recitar na Missa "para a evangelização dos povos":
Ó Deus, tu queres que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade; olha quão grande é a tua messe e manda operários, para que seja anunciado o Evangelho à toda criatura, e o teu povo, reunido pela palavra de vida e moldado pela força dos sacramentos, prossiga no caminho da salvação e do amor.
Por Cristo nosso Senhor. Amém.

domingo, 20 de novembro de 2011

Cristo Rei!

"Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, rei do universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente". Assim reza a Igreja na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.

Há um plano de Deus para o mundo, como o projeto de um artista, que quer elaborar sua obra prima. De fato, nada foi feito para ser destruído ou cancelado, mas tudo para a felicidade de todos os seres humanos. É privilégio para todos nós tomar consciência de que a criação de Deus chegou ao seu ponto mais alto quando, na descrição lindamente poética e verdadeira dos primeiros capítulos do Livro do Gênesis, foi no último dia que Deus fez o homem e a mulher à sua imagem e semelhança: inteligência, vontade e capacidade para amar! Imagem e semelhança da Trindade Santa, Deus que, desde toda a eternidade, é Pai e Filho e Espírito Santo.

Em Cristo, Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e imaculados diante dele, no amor. Ele nos fez conhecer o mistério de sua vontade, segundo o desígnio benevolente que formou desde sempre em Cristo, para realizá-lo na plenitude dos tempos: restaurar tudo em Cristo, tudo o que existe no céu e na terra. (Cf. Ef 1, 1-14). Todas as realidades humanas encontram em Cristo sua realização e seu aperfeiçoamento. A nós, homens e mulheres cristãos, cabe fazer tudo para que toda a criação se encontre em Cristo e nele se realize plenamente. De fato, toda a criação espera ansiosamente a manifestação dos filhos de Deus (Cf. Rm 8, 19).

Jesus veio para a Galileia, proclamando a Boa Nova de Deus:"Completou-se o tempo, e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa-Nova" (Cf. Mc 1, 14-15). Cristo é em primeiro lugar rei dos nossos corações e chama a uma mudança de mentalidade, conversão. Seu poder não se equipara aos de qualquer lugar do mundo ou época da história, mas supera todos eles e lhes dá a possibilidade de se transformarem em instrumento de serviço ao bem comum.

Chama-se "Reino de Deus" a paixão de Jesus Cristo, que perpassa o Evangelho, ilumina as parábolas "do Reino", contadas por ele, coloca-o diante dos poderes de seu tempo, com a força para dizer que não é do mundo o "seu" Reino (Jo 18, 36). Não é do mundo, mas atua e transforma o mundo! Este Reino não terá fim, e, já presente aqui e agora, chegará à sua plena manifestação quando Deus for tudo em todos! Para lá caminhamos, este é o nosso sonho, é o projeto que catalisa todos os esforços dos cristãos, para que sejam atuantes na história do mundo.

Optar por Cristo é a decisão mais inteligente que qualquer pessoa possa fazer. Quando existem homens e mulheres renovados no Espírito Santo, estes serão agentes de mudança, suscitando crescimento qualitativo no relacionamento ente as pessoas. Esta escolha abre estrada para a libertação das muitas amarras que escravizam as pessoas. Quem segue Jesus Cristo escolhe valores diferentes daqueles que comumente norteiam as ações de muitas pessoas. A Missa da Solenidade de Cristo Rei no-los descreve: "Reino eterno e universal, reino da verdade e da vida, reino da santidade e da graça, reino da justiça, do amor e da paz".

Tais pessoas servem à majestade de Deus. Ainda que as imagens dos palácios de todos os tempos possam influenciar na compreensão da expressão, trata-se, sim, de prostrar-se diante de Deus e servi-lo. E servir a Deus é reinar e transformar o relacionamento entre as pessoas. É sair do círculo vicioso da incansável luta pelo poder de todos os tempos. Só quando nos inclinamos diante do poder de Deus é que descobrimos a estrada da realização plena da humanidade. A glorificação eterna de Deus é meta e caminho. Sem escolher a Deus como Senhor de nossas vidas, os reinos que disputam dentro e em torno de nós continuarão a ganhar as porções de nossa dignidade e de nossa felicidade.

Venha a nós o vosso Reino! Vinde, Senhor Jesus!
Foto
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém - PA
Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém - PA.

sábado, 5 de novembro de 2011

Ícones - encontro de oração


Mais do que qualquer coisa este é um encontro de oração. Um encontro de experiência e aprofundamento de vida de oração. O ícone não é nada mais do que uma oração. É uma oração expressa em cores e formas. E é isto o que distingue o ícone de qualquer outra «obra de arte.»
Assim como é impossível ensinar alguém a rezar simplesmente por palavras, também é impossível ensinar ou aprender a orar com os ícones sem que haja uma experiência. Por isso, nesse encontro, muito mais do que falar dos ícones vamos experimentar esse tipo de oração. É uma oração muito simples, pois os ícones são para os «pobres de coração» (cf.Mt.5,3). Não se reza com os ícones simplesmente com o intelecto, mas com o coração. É uma oração de humildade, onde temos que nos despojar de nossos pré-conceitos e concepções pessoais. Orar com os ícones significa entregar-se e participar daquilo que nele já está proposto. Como disse, o ícone mesmo já é uma oração.
Mas por que o homem tem tanto desejo em aprender a rezar? Mesmo que não seja consciente dessa necessidade, o homem é um ser criado para a oração. Ele foi criado para o convívio com Deus, para participar daquilo que é celeste. Antes de sua queda, o homem vivia em perfeita harmonia com Deus. Quando o pecado entrou no mundo, porém, esta ordem foi quebrada e o homem se afastou de Deus; escondeu-se Dele. Mesmo longe de Deus, o homem continuou a trazer em si as marcas da divindade. Trazia dentro de si a semente original. Quando olhava para o seu interior via os traços de Deus, pois foi criado à sua imagem e semelhança. Porém, esta imagem havia se quebrado com o pecado. O Pai, então, para restabelecer esta relação de união e restaurar esta imagem perdida no homem, envia o seu Filho para reabrir para o homem as portas do paraíso perdido.
Depois do pecado, a oração passou a ser algo contra a natureza humana. Orar, para o homem, não é difícil; diria que é impossível. No entanto, Deus, em sua bondade, concede ao homem esta graça de estar em seu convívio, mesmo sendo indigno. O que o faz digno é a sua filiação, que acontece através de Jesus Cristo. A oração, portanto, não é um ato humano, que depende das capacidades de cada um. A oração é um dom de Deus.
É através da oração que estabelecemos esta relação de amizade e amor com Deus. Sem isso, não podemos viver. Talvez possamos sobreviver, mas não viver de fato. É como se tentássemos criar um peixe fora de seu ambiente natural: a água. O ambiente natural do homem é Deus, é o Céu. Talvez fora desse habitat natural ele possa até sobreviver, mas nunca poderá viver plenamente. Quando estamos longe desse habitat sentimo-nos deslocados. Não sabemos o que fazer, sentimo-nos desamparados e tristes. Diria que este é o grande mal pelo qual o mundo sofre: os homens não estão vivendo em seu habitat natural. O homem sente saudades de Deus.
O Senhor nos proporciona meios de oração. Meios de entrarmos em contato com Ele com maior facilidade: a Escritura (lectio divina), a liturgia (sacramentos), a música, a própria criação, a arte… Tudo o que esta relacionado a Deus mesmo pode nos levar à oração. Em tudo isso percebemos a presença de Deus, pois Ele se manifesta em toda a sua criação.
No relato da criação (Gn 1), vemos que a cada ato de criação, Deus profere uma Palavra: “isto é bom”. Com isso a Escritura quer nos dizer que todas as coisas existem e são sustentadas pela vontade e pela Palavra criadora de Deus. Em toda criação Deus imprimiu a sua Bondade – «e Deus viu que isto era bom».
É interessante perceber que para a Bíblia, enquanto palavra de revelação, Bondade e Beleza são sinônimOs, porque ambas deixam perceber tanto a ação criadora de Jhwh quanto seu fazer-se conhecer como o verdadeiro Deus. Deus imprime em toda a criação o seu caráter de bondade e de beleza.
O ser humano não poderia ser isento desta marca de Deus. E Deus vai além desta simples marca e cria o homem à sua «imagem e semelhança» e vê que o que fez «é muito bom-belo.» O homem não é uma cópia de Deus, nem muito menos tem os traços físicos de Deus, pois isto seria impossível, visto que Deus é espírito. Mas ele é semelhante a Deus na faculdade de poder decidir e amar.
É isto o que faz do homem um ser superir a toda a criação; Deus submete a criação ao poder do homem. É ele quem dá o nome a cada ser criado. O homem é, portanto, partícipe da criação. E é colaborador de Deus também enquanto capaz de gerar vida. O homem, enquanto criação de Deus, é reflexo de sua glória, vem do conteúdo da beleza de Deus.
O homem participa da criação do mundo a partir do momento em que é criado. Em tudo o que faz, todas as obras de suas mãos devem ser uma expressão da Bondade e da Beleza de Deus. A beleza e a harmonia fascinam o homem, pois fazem com que ele se lembre e tenha saudades de Deus, mesmo inconscientemente.
A iconografia está inserida dentro desta realidade da teofania da Beleza de Deus. Por isso constitui uma porta aberta à oração, ao encontro com o transcendente.
Não admiramos o ícone simplesmente por ser uma obra de arte. O ícone não quer nos transmitir o estético, mas a BELEZA mesma, que tem sua origem no próprio Deus. O ícone, portanto, é um reflexo do mundo celeste; uma janela para o invisível.

Mas, o que é o ícone?

A imagem sacra, o ícone litúrgico, representa principalmente o Cristo. Ela não representa o Deus invisível e incompreensível; é a encarnação do Filho de Deus que inaugurou uma nova «economia» das imagens:
Antigamente Deus, que não tem nem corpo nem aparência, não podia em absoluto ser representado por uma imagem. Mas agora que se mostrou na carne e viveu com os homens posso fazer uma imagem daquilo que vi de Deus.
(…) Com o rosto descoberto, contemplamos a glória do Senhor. (S.J.Damasceno) (Catecismo da Igreja Católica 1159)
A iconografia cristã transcreve pela imagem a mensagem evangélica que a Sagrada. Escritura transmite pela palavra. Imagem e palavra iluminam-se mutuamente. A iconografia é uma sucinta profissão de fé, que concorda com a pregação da história evangélica, crendo que, de verdade e não na aparência, o Verbo de Deus se fez homem. (CIC 1160)
Toda a iconografia é referente ao Cristo, inclusive quando se trata da Virgem Mãe de Deus e dos santos. Significam o Cristo que é glorificado neles. Por meio de seus ícones, revela-se à nossa fé o homem criado «à imagem de Deus» (cf. Rm 8,29; IJo 3,2) e transfigurado «à sua semelhança», assim como os anjos, também recapitulamos em Cristo. (CIC 1161)
O culto cristão das imagens não é contrário ao primeiro mandamento, que proíbe os ídolos. De fato, «a honra prestada a uma imagem se dirige ao modelo original» (S.Basílio), e «quem venera uma imagem venera a pessoa que nela está pintada» (Conc. de Nicéia; Trento; Vaticano II). A honra prestada às santas imagens é uma «veneração respeitosa», e não adoração, que só compete a Deus. (CIC 2132)
«A beleza e a cor das imagens estimulam minha oração. É uma festa para os meus olhos, tanto quanto o espetáculo do campo estimula meu coração a dar glória a Deus» (S.J.Damasceno). A contemplação dos ícones santos, associada à meditação da Palavra de Deus e ao canto dos hinos litúrgicos, entra na harmonia dos sinais da celebração para que o mistério celebrado se grave na memória do coração e se exprima em seguida na vida dos fiéis.(CIC 1162)

A teologia da Presença

Um manuscrito do Monte Athos insiste sobre «a oração com as lagrimas, para que Deus penetre na alma» do iconógrafo (pintor/ou escritor de ícones), e aconselha «o temor de Deus, pois é uma arte divina, transmitida à nós por Deus mesmo», e ainda mais: «Tu que admiravelmente inspiraste o evangelista Lucas, iluminai a alma de teu servo, conduzi sua mão para que ele execute perfeitamente Teus traços misteriosos…» (Dom J. Dirks, Les Saint Icônes, p.44).
Segundo uma antiga tradição, S. Lucas foi ao mesmo tempo evangelista e primeiro iconógrafo. Suas duas inspirações, seus dois carismas inspirados por Deus na mesma medida, estavam a serviço da única verdade evangélica. Nas matinas da festa de Nossa Senhora de Vladimir, o primeiro canto do Cânon proclama: «fazendo teu venerável ícone, o divino Lucas, escritor do Evangelho de Cristo, inspirado pela voz divina, representa o Criador de todas as coisas nos teus braços.» Do mesmo modo, A vida de São João Evangelista exorta: «para aprender a iconografia e compreender o ícone, orai São João…» Assim, a inspiração dos evangelistas e a dos iconógrafos, sem ser iguais, são semelhantes quanto ao nível da revelação do Mistério. Dirigindo-se à Theotokos (Mãe de Deus), Denys lhe diz: «eu desejo que a tua imagem se reflita sem cessar no espelho das almas e as conservem puras; que ela levante aqueles que estão curvados e que ela dê esperança àqueles que consideram e imitam este eterno modelo de beleza.»
Para o Oriente, o ícone é um dos sacramentais, mais precisamente da presença pessoal. Nas Vésperas da Festa de Nossa Senhora de Vladimir sublinha-se: «contemplando o ícone, tu dizes com poder: minha graça e minha força estão com esta imagem.» É por isso que é necessário que o ícone seja abençoado por um padre, para que se lhe confira o caráter teofânico. O ícone estará cheio de presença, será uma testemunha autêntica e o «canal da graça à virtude santificadora» (São João Damasceno). O Concílio de 860 afirma a mesma coisa: «O que o Evangelho nos diz através da palavra, o ícone nos anuncia através das cores e o torna presente para nós.»
Quando o ícone nos apresenta um santo, testemunha a sua presença e exprime seu mistério de intercessão e de comunhão conosco e com toda a Igreja.
Certamente o ícone não tem realidade própria; em si, ele é somente uma prancha de madeira; é justamente porque ele tira todo seu valor teofânico de sua participação na Trindade, no «todo outro» por meio da semelhança, que ele não pode encerrar nada nele mesmo, mas irradia como que por irradiação esta presença. A ausência de volume exclui toda materialização, o ícone traduz uma presença energética que não pode ser localizada nem guardada, mas que irradia ao redor de seu ponto de condensação.
É esta teologia litúrgica da presença, que distingue absolutamente um ícone de um quadro religioso qualquer e faz a linha de demarcação entre os dois. Podemos dizer que toda obra puramente estética se realiza em um tríptico, onde o artista, a obra e o espectador formam as três portas ou partes. O artista procura, sobretudo expor seu dom e suscitar uma emoção de admiração na alma do espectador. O conjunto está contido neste triângulo de imanetismo estético. E mesmo se a emoção passa ao sentimento religioso, isso não é mais do que a capacidade subjetiva do espectador de a experimentar.
Uma obra de arte é para se olhar, ela encanta a alma; emocionante e admirável ao máximo, ela não tem função litúrgica. Ora, a arte sacra do ícone transcende o plano emotivo que é agitado pela sensibilidade. Uma certa aridez hierática desejada e o despojamento ascético da alma da obra se opõem a tudo isso que é suave e emoliente, a todo enfeite e gozo propriamente artísticos.
É por esta função litúrgica que o ícone quebra o triângulo estético e seu imanetismo; ele suscita não a emoção, mas o senso místico, o mysterium tremendum, diante a vinda de um quarto princípio em relação ao triângulo: a parusia do Transcendente de que o ícone atesta a presença. O artista se apaga atrás da Tradição que fala, os ícones não são quase nunca sinais; a obra de arte dá lugar a uma teofania; todo expectador à procura de um espetáculo se encontra aqui deslocado; o homem, tomado por uma revelação fulgurante, se prostra em um ato de adoração e de oração.
Ao contrario, no Ocidente, a respeito das imagens, o Concílio de Trento acentua a anamnese, a lembrança, mas não absolutamente epifânico, se colocando assim fora da perspectiva sacramental da presença. Ele afirmou todos os dogmas católicos, mas diante da Reforma, forçosamente iconoclasta, ele rejeitou o dogma iconográfico, aliás, abandonado pelo Ocidente desde o VII Concílio. Ora, essa perspectiva sacramental da presença é sintomática. Quando Bernadete foi convidada a escolher em um álbum a imagem que mais se assemelhava à sua visão, ela se deteve sem hesitar em um ícone bizantino da Virgem, pintado no séc. XI…
A primazia do acontecimento teofânico descentraliza toda composição iconográfica do contexto histórico imediato, guarda estritamente o necessário para reconhecer um acontecimento ou a visão de um santo através de seus traços desenhados pelo celeste. A visão é natural sem ser naturalista. Isso porque é impossível um ícone de um homem vivo e toda busca por uma semelhança carnal é excluída. A visão de um iconógrafo passa por uma ascese, pelo “jejum dos olhos” (S. Doroteu) a fim de coincidir com a da Igreja. Forma poderosa de pregação e expressão dos dogmas, o ícone é submisso às regras transcendentais da visão eclesial.

O Ícone e a Liturgia

As formas arquiteturais de um templo, os afrescos, ícones, objetos de culto, não estão simplesmente reunidos como objetos de um museu, mas, como os membros de um corpo, eles vivem de uma mesma vida de mistério, eles estão integrados ao mistério litúrgico. Isso é fundamental e nós não podemos entender um ícone fora desta integração. Na casa dos fiéis, o ícone é colocado em um lugar alto e de destaque na sala: ele guia o olhar para o alto, para o Altíssimo e para o único necessário. A contemplação orante atravessa, por assim dizer, o ícone e não se detém ao conteúdo vivo que ele traduz. Em sua função litúrgica, simbiose do senso e da presença, ele santifica os tempos e os lugares; de uma simples casa ele faz uma «igreja doméstica», da vida de um fiel, uma vida orante, liturgia interior e contínua. Ponto de contemplação, jamais de decoração, o ícone centra toda a casa sob a influência do céu.
Da mesma forma, todos aqueles que atravessam a soleira de um templo ortodoxo são tomados por uma forte sensação de vida incessante, de eternidade. Mesmo fora dos ofícios litúrgicos, tudo remete aos santos mistérios, tudo é animado e tende para Aquele que vem para se dar em comida.
Nos ofícios, os textos litúrgicos se harmonizam com o evento celebrado e o comentam; o mistério litúrgico o faz «presente» e transmite este conteúdo vivo ao ícone da festa. E tudo ao redor, o ícone faz ver, na liturgia mesmo, uma função iconográfica, uma representação e imagem de toda a economia da salvação. No canto do Chérubikon: «Nós, que misteriosamente representamos os querubins e que cantamos à vivificante Trindade o hino três vezes santo», ultrapassamos o terrestre e participamos «misteriosamente» da liturgia eterna celebrada pelo Cristo mesmo no céu. O ícone da «sinaxe», mostra a assembléia dos anjos, seus inumeráveis olhos e suas miríades de asas ruidosas; sobre o ícone da «liturgia eterna», eles cercam o Cristo, Grande Sacerdote oficiante, para «que o Evangelho da glória do Cristo, ícone de Deus, brilhe aos olhos dos crentes» (Dom J. Dirks, Les saintes icônes, p. 44.). Os fiéis «representam misteriosamente» os anjos, são os ícones vivos, as «angelofanias», lugar humano do mistério angélico de adoração e de oração. Hic et nunc, tudo é participação, oferta, presença e eucaristia: «isto que é teu, nós te oferecemos» e «te rendemos graças». Nesta sinfonia grandiosa, todo fiel olhando os ícones vê seus irmãos mais velhos, patriarcas, apóstolos, mártires, santos, como seres bem presentes, é com eles todos que ele participa do Mistério; ao lado dos anjos, ele canta: «Em Teus santos ícones, nós contemplamos os tabernáculos celestes e exultamos em uma alegria puríssima…»

BIBLIOGRAFIA:
EVDOKIMOV, Paul – L’art de l´icône-Théologie de la beauté – Desclée de Brouwer/1972;
Catecismo da Igreja Católica;
Dicionário de Espiritualidade – Ed. Paulinas/1989;
Dicionário de Teologia Fundamental – Ed. Santuário – Ed.Vozes/1994;
FONTE:

Ierognosia, você sabe o que é? Veja alguns casos ocorridos com Padre Pio.

Por Giovani Amorim



Padre Pio tinha o dom de reconhecer se um homem era um Padre e se os objetos que lhe apresentavam já tinham sido abençoados. . O fenômeno de “ierognosia” estava entre tantos outros carismas que o Padre Pio possuía. Um dia um cavalheiro que usava jaqueta amarra e arqueja, estava na sacristia junto com outros homens que esperavam pela chegada do Padre Pio. Ele estava na primeira fila. Quando Frei Pio o notou, lhe disse: “Irmão, você tem vindo disfarçado”, mas você não tem por que se envergonhar de vir para me ver. Na próxima vez você pode voltar vestido como padre que é.
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Padre Pio falou para um homem jovem que vestia arqueje e suéter para ir embora e voltar vestido com o hábito dominicano. Confuso, envergonhado, o homem jovem confessou na frente de todo o mundo que era um padre dominicano.
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Às vezes, quando lhe foram mostrados a Frei Pio alguns objetos como coroas do Rosário ou imagens sagradas com o pedido de que as abençoasse, ele devolveu alguns dos objetos ao solicitante com a declaração precisa: “Isto já foi abençoado”. E era verdade.
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Padre Pio podia sentir se um copo de água era água benta. E se alguém lhe dava uma garrafa com água de Lourdes dentro, sem lhe falar de onde esta água procedia, ele levava a garrafa até os lábios e a beijava..
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Uma vez, um motorista de ônibus de Roma, a quem Nossa Senhora tinha se aparecido na caverna das Três Fontes de Roma (a Virgem da Revelação) foi se encontrar com Padre Pio. Ele contou: “Quando eu estava na frente dele – nós nunca tínhamos nos encontrado antes – eu lhe dei um pequeno envelope, sem lhe contar o que continha. Padre Pio pegou o envelope, apertou-o sobre o peito com paixão e não mo devolveu. O pequeno envelope continha um pouco de terra da caverna das Três Fontes.”

Papa Bento XVI - história da Vida

Biografia de Bento XVI

O Cardeal Joseph Ratzinger, Papa Bento XVI, nasceu em Marktl am Inn, diocese de Passau (Alemanha), no dia 16 de Abril de 1927 (Sábado Santo), e foi baptizado no mesmo dia. O seu pai, comissário da polícia, provinha duma antiga família de agricultores da Baixa Baviera, de modestas condições económicas. A sua mãe era filha de artesãos de Rimsting, no lago de Chiem, e antes de casar trabalhara como cozinheira em vários hotéis.
Passou a sua infância e adolescência em Traunstein, uma pequena localidade perto da fronteira com a Áustria, a trinta quilómetros de Salisburgo. Foi neste ambiente, por ele próprio definido «mozarteano», que recebeu a sua formação cristã, humana e cultural.
O período da sua juventude não foi fácil. A fé e a educação da sua família prepararam-no para enfrentar a dura experiência daqueles tempos, em que o regime nazista mantinha um clima de grande hostilidade contra a Igreja Católica. O jovem Joseph viu os nazistas açoitarem o pároco antes da celebração da Santa Missa.
Precisamente nesta complexa situação, descobriu a beleza e a verdade da fé em Cristo; fundamental para ele foi a conduta da sua família, que sempre deu um claro testemunho de bondade e esperança, radicada numa conscienciosa pertença à Igreja.
Nos últimos meses da II Guerra Mundial, foi arrolado nos serviços auxiliares anti-aéreos.
Recebeu a Ordenação Sacerdotal em 29 de Junho de 1951.
Um ano depois, começou a sua actividade de professor na Escola Superior de Freising.
No ano de 1953, doutorou-se em teologia com a tese «Povo e Casa de Deus na doutrina da Igreja de Santo Agostinho». Passados quatro anos, sob a direcção do conhecido professor de teologia fundamental Gottlieb Söhngen, conseguiu a habilitação para a docência com uma dissertação sobre «A teologia da história em São Boaventura».
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Depois de desempenhar o cargo de professor de teologia dogmática e fundamental na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Freising, continuou a docência em Bonn, de 1959 a 1963; em Münster, de 1963 a 1966; e em Tubinga, de 1966 a 1969. A partir deste ano de 1969, passou a ser catedrático de dogmática e história do dogma na Universidade de Ratisbona, onde ocupou também o cargo de Vice-Reitor da Universidade.
De 1962 a 1965, prestou um notável contributo ao Concílio Vaticano II como «perito»; viera como consultor teológico do Cardeal Joseph Frings, Arcebispo de Colónia.
A sua intensa actividade científica levou-o a desempenhar importantes cargos ao serviço da Conferência Episcopal Alemã e na Comissão Teológica Internacional.
Em 25 de Março de 1977, o Papa Paulo VI nomeou-o Arcebispo de München e Freising. A 28 de Maio seguinte, recebeu a sagração episcopal. Foi o primeiro sacerdote diocesano, depois de oitenta anos, que assumiu o governo pastoral da grande arquidiocese bávara. Escolheu como lema episcopal: «Colaborador da verdade»; assim o explicou ele mesmo: «Parecia-me, por um lado, encontrar nele a ligação entre a tarefa anterior de professor e a minha nova missão; o que estava em jogo, e continua a estar – embora com modalidades diferentes –, é seguir a verdade, estar ao seu serviço. E, por outro, escolhi este lema porque, no mundo actual, omite-se quase totalmente o tema da verdade, parecendo algo demasiado grande para o homem; e, todavia, tudo se desmorona se falta a verdade».
Paulo VI criou-o Cardeal, do título presbiteral de “Santa Maria da Consolação no Tiburtino”, no Consistório de 27 de Junho desse mesmo ano.
Em 1978, participou no Conclave, celebrado de 25 a 26 de Agosto, que elegeu João Paulo I; este nomeou-o seu Enviado especial ao III Congresso Mariológico Internacional que teve lugar em Guayaquil (Equador) de 16 a 24 de Setembro. No mês de Outubro desse mesmo ano, participou também no Conclave que elegeu João Paulo II.
Foi Relator na V Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos realizada em 1980, que tinha como tema «Missão da família cristã no mundo contemporâneo», e Presidente Delegado da VI Assembleia Geral Ordinária, celebrada em 1983, sobre «A reconciliação e a penitência na missão da Igreja».
João Paulo II nomeou-o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e Presidente da Pontifícia Comissão Bíblica e da Comissão Teológica Internacional, em 25 de Novembro de 1981. No dia 15 de Fevereiro de 1982, renunciou ao governo pastoral da arquidiocese de München e Freising. O Papa elevou-o à Ordem dos Bispos, atribuindo-lhe a sede suburbicária de Velletri-Segni, em 5 de Abril de 1993.
Foi Presidente da Comissão encarregada da preparação do Catecismo da Igreja Católica, a qual, após seis anos de trabalho (1986-1992), apresentou ao Santo Padre o novo Catecismo.
A 6 de Novembro de 1998, o Santo Padre aprovou a eleição do Cardeal Ratzinger para Vice-Decano do Colégio Cardinalício, realizada pelos Cardeais da Ordem dos Bispos. E, no dia 30 de Novembro de 2002, aprovou a sua eleição para Decano; com este cargo, foi-lhe atribuída também a sede suburbicária de Óstia.
Em 1999, foi como Enviado especial do Papa às celebrações pelo XII centenário da criação da diocese de Paderborn, Alemanha, que tiveram lugar a 3 de Janeiro.
Desde 13 de Novembro de 2000, era Membro honorário da Academia Pontifícia das Ciências.
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Na Cúria Romana, foi Membro do Conselho da Secretaria de Estado para as Relações com os Estados; das Congregações para as Igrejas Orientais, para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, para os Bispos, para a Evangelização dos Povos, para a Educação Católica, para o Clero, e para as Causas dos Santos; dos Conselhos Pontifícios para a Promoção da Unidade dos Cristãos, e para a Cultura; do Tribunal Supremo da Signatura Apostólica; e das Comissões Pontifícias para a América Latina, «Ecclesia Dei», para a Interpretação Autêntica do Código de Direito Canónico, e para a revisão do Código de Direito Canónico Oriental.
Entre as suas numerosas publicações, ocupam lugar de destaque o livro «Introdução ao Cristianismo», uma compilação de lições universitárias publicadas em 1968 sobre a profissão de fé apostólica, e o livro «Dogma e Revelação» (1973), uma antologia de ensaios, homilias e meditações, dedicadas à pastoral.
Grande ressonância teve a conferência que pronunciou perante a Academia Católica Bávara sobre o tema «Por que continuo ainda na Igreja?»; com a sua habitual clareza, afirmou então: «Só na Igreja é possível ser cristão, não ao lado da Igreja».
No decurso dos anos, continuou abundante a série das suas publicações, constituindo um ponto de referência para muitas pessoas, especialmente para os que queriam entrar em profundidade no estudo da teologia. Em 1985 publicou o livro-entrevista «Relatório sobre a Fé» e, em 1996, «O sal da terra». E, por ocasião do seu septuagésimo aniversário, publicou o livro «Na escola da verdade», onde aparecem ilustrados vários aspectos da sua personalidade e da sua obra por diversos autores.
Recebeu numerosos doutoramentos «honoris causa»: pelo College of St. Thomas em St. Paul (Minnesota, Estados Unidos), em 1984; pela Universidade Católica de Eichstätt, em 1987; pela Universidade Católica de Lima, em 1986; pela Universidade Católica de Lublin, em 1988; pela Universidade de Navarra (Pamplona, Espanha), em 1998; pela Livre Universidade Maria Santíssima Assunta (LUMSA, Roma), em 1999; pela Faculdade de Teologia da Universidade de Wroclaw (Polónia) no ano 2000.